terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Em busca de um novo paradigma

(Seguindo a série sobre as mudanças do paradigma familiar no Direito)
As Uniões Homoafetivas existencializaram-se como núcleos familiares no século XX, no auge das revoluções culturais que deram vida e liberdade as pessoas e uma nova forma de encarar uma jornada que termina no final da existência humana, ou não. O que era tão negado pelo conservadorismo fortemente vinculado a religião acabou ruindo por uma nova forma de sociedade e de família que nascia naquele período.
Não podemos dizer de forma absoluta mais nada. A propriedade não é mais absoluta, a família não se existencializa apenas no casamento e o pacta sunt servanda foi relativizado no Direito dos Contratos. Estes são exemplos claros das mudanças ocorridas por um novo prisma dado pela Constituição Federal em relação ao Código Civil.
Esta realidade ainda é negligenciada pela manualística e, consequentemente, pelos doutrinadores mais conservadores.
Evidente que estas mudanças, ainda que necessárias, sejam paulatinamente negadas pelo conservadorismo doutrinário nacional, principalmente aqueles que ainda acreditam em um modelo de Direito “completo e puro”, capaz de solucionar todo e qualquer problema sem efetuar troca com outras ciências.
Efetivamente, vemos um total descompasso entre Direito e Sociedade. Caem diariamente ações na justiça com o intuito de ver reconhecida o direito de união homoafetiva que geralmente é apreciado pelo judiciário com decisões eivadas de preconceito. Argumenta-se que o sistema não é capaz de apreciar tais relações pelo simples fato das normas não preverem tais condições.[1] Ora, além de beirar a esquizofrenia estes argumentos são totalmente inviáveis frente a uma sociedade complexa, multifacetada e plural.
O Direito não pode ficar alheio aos fenômenos sociais, sendo impensável tornar-se uma Ciência pura que pode fechar os olhos para tudo aquilo que vê estranho ao seu ordenamento positivo. As relações familiares estão cada vez mais ampliando seus horizontes, ao contrário da codificação civil que ainda reluta em reconhecer a diversidade o que limita excessivamente o Direito de ser uma ciência de caráter integrador. Natural que o Código Civil se mantenha atrás da linha da história, afinal, qualquer forma de aprisionar fatos sociais em conceitos tem por objetivo a manutenção de alguma classe que dá origem ao Código.
Em sentido oposto ao século XIX, o século XX trouxe a afetividade para dentro do lar o que tornou a família um ambiente mais saudável e capaz de gerar relações baseadas no amor e não somente ao patrimônio.
O amor é buscar aquilo que não é capaz de ser compreendido mas sim, apenas sentido. Ele reserva a incompreensão e a diferença. Isso é o que move o amor, buscar entender aquilo que nos torna iguais e ao mesmo tempo desiguais[2]. O amor é infinito, pois estas peculiaridades que carrega jamais serão compreendidas.
São estas características que permearam as relações afetivas no Século XX, a possibilidade de poder se deixar levar pelos seus próprios sentimentos, deixando de lado a excessiva patrimonialização determinada pelas codificações.
Resta evidente a superação do direito civil clássico diante de sua total incapacidade de conviver com a sociedade pós-moderna, onde a necessidade de um total afastamento das codificações que visam a completude do sistema é mais que urgente.
Assim, pensar num discurso mais amplo e menos disjutivo pode ser uma forma mais eficaz de imaginar um Direito que tenha mais capacidade de invadir todo e qualquer espaço dentro de uma sociedade. “Um discurso jurídico que se perca na multidão”[3]. Não se pretende um discurso neutro ou puro, na realidade acredita-se num discurso capaz de compreender as diferenças, incompreensões e a pluralidade que existe na pós-modernidade.


[1] Cf. DIAS, Maria Berenice, 2009. p.61
[2] Frase de Theodor Adorno
[3] Frase cunhada pelo Prof. Dr. Ricardo Aronne

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