Desde que foi proposto, e começou a ser elaborado por parte de juristas brasileiros de grande destaque nacional e internacional, o Estatuto da Diversidade Sexual, cujo anteprojeto permanece em discussão, vem sendo orgulhosamente ostentado como a solução para o preconceito e discriminação que ainda pairam sob a população homossexual, impedindo-os de gozar dos mesmos direitos civis e constitucionais garantidos a todos os brasileiros. Ocorre que, na mesma medida em que a proposta possui grande mérito em aumentar a discussão jurídica entorno de tão importante problemática, peca pelo reducionismo e excesso de pragmatismo com que trata de tão complexa questão.
A criação deste microssistema normativo, especial para o público homossexual, não passará de um subterfúgio legal para contornar, ao invés de enfrentar na sociedade e nos Tribunais, o ranço de preconceito e discriminação que ainda existem contra os homossexuais. Tecnicamente falando, uma lei possui duas características fundamentais: geral e abstrata. Isto significa que ela apenas preceitua comportamentos que passarão a ser adotados - hipoteticamente - por todos, impingindo pena, em alguns casos, para aqueles que a descumprirem.
No Brasil, uma legislação é promulgada, normalmente, na tentativa de normalizar um comportamento pouco adepto na sociedade, mas que se gostaria passar a ser o usual. Neste sentido, questiona-se: se existisse respeito pelos homossexuais, existira a necessidade de uma legislação obrigando a população a respeitá-los? Não! A aparente necessidade desta Lei é para buscar a mudança de um comportamento que eticamente não é mais aceitável, mas infelizmente ainda se encontra em voga. Mais uma pergunta: este problema é causado pela legislação que é falha ou pelos intérpretes desta legislação? A Lei é preconceituosa ou seus intérpretes é que o são?
Em uma atenta análise dos cento e onze artigos, espalhados ao longo dos dezoito capítulos do Estatuto, percebe-se, claramente, que este não obrou grandes inovações, já que grande parte do seu conteúdo já se encontra, de modo direto ou indireto, no texto da Constituição Federal de 1988, ou mesmo já foram consagrados pela mais arejada jurisprudência pátria: adoção, união estável e casamento, e.g. Outros Direitos previstos pelo Estatuto, tais como saúde, previdência, educação, trabalho, moradia, já são garantidos a todos os brasileiros, sem se cogitar qualquer espécie de discriminação.
Muito embora grande parte das previsões constitucionais que o estatuto se limitou a reproduzir já terem sido alvo de vitórias na sociedade e nos tribunais, porque razão, então, alguns destes direitos nunca foram respeitados e aplicados? Precisará uma lei ordinária repetir os preceitos constitucionais para lhe trazer eficácia? Não! A promulgação de uma lei não é significado de sua correspondente aplicação e cumprimento. A necessidade de uma lei para ordenar que os Direitos dos Homossexuais sejam respeitados corresponde a afirmar que estamos diante de um público que não pode gozar dos mesmos direitos civis que o resto dos brasileiros, razão pela qual precisam de um microssistema normativo para lhes assistir! O que seria um tanto quanto falso, já que, como vimos, a Constituição Federal e a mais arejada jurisprudência nacional já preveem um sistema jurídico na qual esteja em seu âmago o respeito pela dignidade da pessoa humana como fundamento da própria República!
Não precisamos de Leis, mas de pessoas conscientes e que estejam a fim de "fazer a coisa acontecer". Operadores do direito que, com auxílio da Carta Magna, modifiquem a jurisprudência pátria. Cidadãos que reconheçam, no íntimo de suas existências, a igualdade de todos perante a lei. Afinal, uma lei não passa de uma tentativa de descrever o comportamento social. Mas a lei nunca passará de um simples mapa, cujo objetivo é desenhar o homem em toda a sua complexidade.
Neste sentido, importante é não perder a noção do que é mapa e do é território. O mapa deve ser desenhado conforme a formação geológica do território que busca descrever. Assim, e.g: se decidirmos desenhar um mapa do Brasil fazendo fronteira com os Estados Unidos, a formação geológica não irá se alterar segundo as diretrizes do mapa, pois outro é o território. Assim ocorre com a Lei. Se existe a vontade de se respeitar os direitos dos homossexuais, cuja previsão constitucional já existe, não será necessário promulgar lei alguma. Se esta vontade não existe, a lei será inócua. A verdadeira mudança está em nós! Em cada cidadão brasileiro e sua vontade de fazer valer os direitos de todos, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, cujo bem-estar geral é a principal garantia de vivermos em uma sociedade cada vez mais justa, igual e solidária.
Tratando-se do Direito nos Tribunais, cumpre advertir que um discurso jurídico sólido e consistente não se faz com leis, mas com decisões e mudanças de paradigmas jurisprudencias, cujo epicentro normativo deve se encontrar na Constituição Federal. Caso seja aprovado e promulgado, o Estatuto normalizará os homossexuais em um Direito "especial", um microssistema fora do sistema jurídico - que permanecerá carregado dos antigos preconceitos. Embora não passe de um eco distante da Constituição Federal, para os juristas mais tradicionais, o Estatuto da Diversidade Sexual garante uma fatia deste enorme bolo chamado Direito Privado a um público antes excluído. A luta fica para trás, dando espaço a um conforto que não corresponderá a realidade da população homossexual.
*Por Maurício Esteves
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