segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Aprendendo a conviver com as diferenças

*Por Cláudio Isaías, 
publicado em Jornal do Comércio

(Jornal do Comércio) - Passados três meses da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a reportagem do Jornal do Comércio ouviu três especialistas sobre o que deve mudar na sociedade brasileira sobre o tema.

Para o doutorando em educação e integrante do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Faculdade de Educação da Ufrgs (Faced/Ufrgs), Alexandre José Rossi, somente é possível mudar comportamentos em uma sociedade através da elaboração de políticas públicas, principalmente na área da educação. “A escola brasileira precisa formar professores para a questão da diversidade sexual. Não podemos ter docentes alegando que não discutem o tema na sala de aula porque nunca tiveram contato com o assunto na universidade”, destaca.

Rossi, que possui graduação em Filosofia e atua como docente na área de formação de professores, afirma que já aborda temas relacionados à diversidade e às políticas de combate à homofobia.

Ele defende que o assunto diversidade sexual seja incluído no currículo de todas as escolas gaúchas. “Em Porto Alegre, temos a iniciativa da Smed (Secretaria Municipal de Educação), que incluiu a cultura africana no currículo das escolas municipais. Além disso, o governo federal, nos últimos quatro anos, tem incentivado a formação de professores que trabalham na rede pública de ensino com material sobre a diversidade sexual”, destaca.

Se voltarmos um pouquinho no tempo, em um Brasil de 40 anos atrás, veremos que a mobilização dos movimentos que defendem a diversidade sexual no País não seria possível na década de 1970. “Naquela época não existia o movimento homossexual organizado no País. A sociedade ganhou muito em democracia graças a isso. As primeiras mudanças com relação ao movimento gay começaram a ser sentidas na década de 1980, quando o homossexual começou a deixar de ser visto como um desviado ou como um doente”, ressalta.

Em uma época de disseminação da informação através das redes sociais, em que as pessoas não têm pudores em manifestar suas opiniões sobre diversos temas por mais polêmicos ou radicais que sejam, o professor de Comportamento Político e Teoria Clássica do curso de Ciência Política da Ulbra, Ottmar Teske, destaca que a única coisa que produz conhecimento em uma sociedade são as diferenças. “Estamos vivendo no século XXI, que é marcado pela manifestação das diferenças e de combate ao preconceito e à homofobia.”

De acordo com o sociólogo, o debate em torno do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo está no mesmo contexto dos movimentos feministas do século XX e das reivindicações dos negros e índios e, mais recentemente, das pessoas portadoras de deficiência, que defenderam seu espaço na sociedade. “O comportamento do povo brasileiro opera no senso comum, ou seja, questões como cotas, aborto, liberdade religiosa e união entre pessoas do mesmo sexo ainda são vistas com restrições. A sociedade brasileira precisa entender a cultura da diferença e discutir mais os temas”, destaca.

É lamentável, para Teske, que ainda seja necessária a intervenção da Justiça para decidir, por exemplo, sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e de cotas para negros nas universidades. “Sempre precisamos do Poder Judiciário para resolver questões que a sociedade brasileira não aceita e não respeita”, acrescenta.

A presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, destaca que as decisões do STJ e do STF em relação à união estável entre pessoas do mesmo sexo são significativas como unidade familiar. No entanto, ela criticou a ausência de leis que garantam a cidadania de homossexuais, e classifica como omisso o Poder Legislativo. Para a ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), o Judiciário fez a sua parte e não se omitiu como o Legislativo. “A mensagem é clara: vivemos em uma sociedade livre, igual e que respeita a dignidade das pessoas”, ressalta.

Segundo Maria Berenice, os deputados federais não se comprometem com o tema por questões de ordem religiosa e medo de comprometer a sua reeleição. “Os projetos no Legislativo não andam por preconceito, medo e pela pressão das bancadas evangélicas que cresceram no Congresso Nacional, o que é um pouco assustador em termos de luta pela cidadania e pela livre orientação sexual”, acrescenta.

Publicado em 23 de janeiro de 2012

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