* Publicado em Jornal de Londrina
Capacitação de professores e nova abordagem do tema, relacionando-o com ciências humanas, são necessárias para que o problema seja repensado.
A dificuldade de discutir a violência contra homossexuais em instituições de ensino foi objeto de estudo da tese de doutorado “O silêncio está gritando: a homofobia no ambiente escolar”, defendida recentemente pelo presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, na Universidad de la Empresa de Montevidéu, no Uruguai. Reis fez uma pesquisa qualitativa em quatro escolas de Curitiba que mostrou que há homofobia no sistema de ensino.
O acompanhamento de discussões em grupos de estudantes e professores e entrevistas com responsáveis pelas escolas levaram à conclusão de que há políticas públicas para lidar com a questão, mas elas não são colocadas em prática. “Falta formação e falta discussão sobre o tema. Os professores não têm uma educação continuada e se sentem inseguros para lidar com a situação”, conta Reis.
Professora do Núcleo de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Araci Asinelli da Luz considera que as escolas não têm trabalhado a sexualidade. “O que a escola faz é trazer a questão somente quando o problema aparece e mostra como ela não sabe lidar com o problema.” Para ela, há ausência de políticas públicas claras para as salas de aula. “O desconhecimento é uma maneira das pessoas lidarem com a questão. Não ver ou não querer ver resolve o problema porque ele vai embora”, afirma.
Nova abordagem
O psiquiatra Lincoln César Andrade, especialista em sexualidade humana, afirma que os professores precisam ter contato com seu próprio preconceito para poderem trabalhar o tema com os alunos. Andrade explica que para que o professor vivencie o assunto, o ideal é que o trabalho seja feito em grupo para que o docente se coloque no lugar do aluno que sofre a homofobia e veja como é agressivo ter de esconder sua orientação sexual.
Os especialistas concordam que a abordagem sobre a homossexualidade na escola não é a mais adequada. Para eles, o tema não devia estar ligado às áreas de Saúde e Biologia. “Esse é um tema de Direitos Humanos. As pessoas têm que ser respeitadas. É preciso fazer valer isso no cotidiano e aceitar a diversidade como nossa realidade”, explica Araci.
A Secretaria Municipal da Educação de Curitiba (SME) tem um plano de ação que irá tratar da homofobia em outros campos. A previsão é de que o projeto seja implantado ainda no primeiro semestre deste ano. “Geralmente, se trabalha o assunto na aula de Ciências. Não queremos que ele seja estritamente biológico, mas também histórico, social e cultural”, explica Elaine Beatriz de Oliveira Smyl, coordenadora de Educação para as Relações Étnicorracias e de Gênero da SME.
Reis, que viveu e vive a homofobia no seu cotidiano, concorda que a nova abordagem é necessária. “Parece óbvio que a homossexualidade deve ser tratada como direito humano. Eu, com 47 anos, especialização, mestrado, sempre achava que devia estudar o tema para as pessoas me respeitarem”, conta. “Mas, não. O respeito tem que ser para com o ser humano, não importando outras coisas. Não precisa saber o que faz a pessoa ser homossexual; isso já carrega um preconceito. O que precisa é respeito”, completa Reis.
Após polêmica, MEC engaveta projeto
Suspensos desde maio do ano passado, os kits do projeto “Escola sem Homofobia” não têm prazo para chegar às salas de aula. Com a recente posse de Aloizio Mercadante como ministro da Educação, o ministério (MEC) não sabe como fica a situação do polêmico kit.
Composto por um guia para professores do ensino médio e três vídeos para serem passados em sala de aula, o kit gerou polêmica na bancada religiosa do Congresso e chegou a ser chamado por alguns de “kit gay”. Para a professora do Núcleo de Educação da UFPR, Araci Asinelli da Luz, o nome dado já é preconceituoso. “Quando se coloca um estigma desses, o preconceito da sociedade vem junto, como se o assunto tivesse que ser engolido goela abaixo.”
Araci destaca que o kit serve como medida de emergência. “Há necessidade de abordagem imediata, de um material de apoio que dê conta de corrigir alguns conceitos. A discussão está chegando na escola e os professores precisam ter uma referência”, diz.
O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, Toni Reis, afirma que falta material didático para os professores trabalharem a questão. “Vamos ter que desenterrar esse material suspenso. Esperamos sensibilizar a presidente [Dilma Rousseff] para que cada município e estado tenha acesso a esse material.”
Para os dois, a resistência de alguns setores da sociedade ao tema dificulta a existência do kit. “Como o tema é polêmico, tentaram colocar uma dúvida sobre o material para tentar quebrar a confiabilidade dele. Ele precisava de revisões, mas já testei com alguns alunos de ensino médio e é um começo”, conta Araci.
Proibições
Reis também lembra que a suspensão do kit abriu precedente. “Em alguns lugares [como São José dos Campos, em São Paulo] surgiram projetos de lei que proíbem a discussão da diversidade sexual nas escolas”, lamenta.
Fonte: Jornal de Londrina
Autora: Mariana Scoz
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