O grande pesquisador e amigo, Caio Klein, do Grupo Prismas do Direito
Civil-Constitucional, nos brinda com este belíssimo texto, que nasce de uma
construtiva crítica ao artigo, também publicado neste Blog, de autoria do
sociólogo e parceiro Vinicius Rauber, intitulado: "A Homoafetividade e a construção da identidade".
O incentivo à diversidade, deste Blog, extravasa os limites da
Homoafetividade para ser recepcionada, também, e incentivada como diversidade
de ideias e opiniões. Portanto, a diversidade de ideias apresentadas pelos
autores não pode ser encarada como contraditórias. As críticas, quando
manifestadas de modo construtivo, e com ânimo de colaborar para o
desenvolvimento do assunto, sempre são muito bem- vindas!
Importante destacar, ao contrário de Vinicius que parte de uma matriz
sociológica, nascida no prédio 5, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Caio advém de uma matriz jurídica, é filho do prédio 11, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
O nosso jurista, entretanto, não parte daquele Direito de cunho
tradicional, cuja epistemologia se mostra insuficiente para descrever o homem
pós-moderno e suas relações sociais. Muito pelo contrário, Caio parte de uma
matriz jurídica Complexa. Busca desconstruir o Direito, para reconstrui-lo como
discurso, mais arejado e capaz de dialogar com a sociedade e suas diversas e
constantes alterações.
Percebe-se, pois, claramente, que a diversidade de ideia apresentadas
nos dois textos é que traz qualidade a presente questão. Longe de qualquer
contradição, os textos são complementares. Ambos com o mesmo objetivo:
enaltecer a discussão sobre a Homoafetividade e a identidade.
Espero que gostem.
Maurício Brum Esteves
Homoafetividade e Identidade, por Caio Klein.
A escolha de determinada identidade enquanto exercício de autonomia pode
ser considerada um argumento equivocado se aceitarmos a premissa que essa é
construída nas relações sociais. Ninguém é completamente livre para decidir. Há
determinantes como escolaridade, raça, situação econômica, faixa etária, espaço
geográfico, que atravessam a construção das identidades, ou uma suposta opção por identidades.
A possibilidade de escolher uma identidade homossexual, tida por
desviante, dá a entender a existência de uma identidade heterossexual existente
a priori, natural e pré-discursiva.
Como se a heterossexualidade fosse o modelo extraído da natureza, e as
homossexualidades deturpações culturais desse padrão repetitivo. A
heterossexualidade, da mesma forma que quaisquer outras identidades sexuais
atribuídas, foi convencionada em certo tempo histórico. Tanto é que só se
passou a falar em um sujeito heterossexual a partir do momento em que se
admitiu a existência de um sujeito homossexual. A própria iniciação sexual dos
gregos, imposta que fosse realizada entre homens, conforme afirmado pelo autor,
não era tida por incorreta ou desviante exatamente por não haver a constituição
de um padrão de sexualidade normalizado.
Essa normatização se daria posteriormente em relação às variantes
sexo-gênero-sexualidade, na qual um sexo – aqui biológico – determinaria um
gênero que, por sua vez, definiria uma sexualidade, relação imediata que
manteria a harmonia da norma heterossexual. A norma opera na nomeação do corpo
enquanto macho ou fêmea – a constituição do sexo – e “uma vez feita esta
distinção, que este sujeito assuma um dos dois gêneros – masculino ou feminino
– e experimente o desejo por alguém do sexo/gênero oposto” (LOURO, 2010, p. 146).
Entendida a heteronormatividade como padrão naturalizado e determinante, os
corpos não conformados a essa norma compulsória assumiriam a condição de não
sujeitos: homossexuais, transexuais, assexuais, andróginos. A mesma matriz
heterossexual, discurso constituinte do gênero e formadora do sujeito, é a
matriz excludente que nega as identificações não adequadas a sua norma.
Além da questão da identidade construída, podemos pensar em identidades
que são meramente atribuídas: posso me investir de uma identidade masculina e
heterossexual, mas preferir usar saias. Veja o exemplo do cartunista Laerte
Coutinho. Na matriz heteronormativa em que estamos inseridos não há espaço para
esse tipo de fluidez, de modo que, mesmo quando a identidade construída é
heterossexual, se ao sujeito é atribuída uma identidade homossexual por uma
razão qualquer, as normas repressivas de gênero e sexualidade ali incidirão.
Podemos pensar, assim, que a questão da identidade não é apenas
relacional, mas também subjetiva. Convenhamos que o que faz com que determinada
pessoa assuma uma identidade gay, lésbica ou bissexual não é o fato de se
autodeclarar assim, ou de manter uma sociabilidade através dessa identidade,
mas sim um processo subjetivo de construção identitária, de direcionamento do
desejo, através de representações da cultura. Tanto é que a identidade
homossexual é reprimida em diversas instâncias como a família, a religião e o
direito, e nem por isso a bicha enrustida
é um mito. Cabe refletir se quando falamos de sujeito homossexual estamos nos referindo
àqueles que assim se identificam, àqueles que assim são considerados pelo
contexto cultural, ou ainda àqueles que, embora direcionando seu desejo a
pessoas do mesmo sexo, reproduzem um modelo heterossexual de relacionamento.
Por fim, se falarmos em desconstrução, temos que pensar na
impossibilidade de uma identidade
homossexual apenas, do mesmo jeito que as feministas já pararam, há algum tempo,
de tomar uma única mulher enquanto o sujeito do feminismo.
Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais
Bolsista de Iniciação Científica FAPERGS
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