segunda-feira, 16 de julho de 2012

A Identidade homoafetiva e pós-modernidade


Eis aqui uma grande questão a ser debatida: seria a homossexualidade uma opção sexual, por meio de apreensões culturais e contextuais, ou existiria uma pré-disposição para a manifestação homossexual?
Creio que a resposta não pode ser dada de uma maneira definitiva, afinal, somos sujeitos complexos (Morin), infinitos (Levinas) e não lineares. Isso importa dizer que a escolha por uma resposta ou outra pode incorrer num grave reducionismo que gera uma enorme incompreensão sobre o assunto.

Pois bem, quando afirmamos que existe uma pré-disposição para a manifestação da homossexualidade há o risco do argumento cair em um determinismo reducionista, com o qual os autores desse blog não concordam de maneira nenhuma, não é uma opção aceitável. Afirmar que a homossexualidade é um sentimento que concorre junto ao inicio da vida pode ser totalmente arbitrário e, portanto, pouco interessante para quem se propõe ao discurso aberto, amplo e que aceite a complexidade da afetividade e suas formas de manifestação.

Em outra mão, argumentar que a homossexualidade é uma manifestação sexual apreendida conforme as condutas sociais, culturais, educacionais e outras atividades humanas que seriam capazes de condicionar o nosso pensamento é absolutamente incoerente também ao pensamento do blog. Vai na contramão daquilo que estamos escrevendo e que pesquisamos através dos anos que foram dedicados ao assunto. A homossexualidade, reduzida ao conceito moderno, que vende verdades e certezas, torna a questão muitas vezes passível de ataques daqueles que também acreditam em verdades e certezas. Não se busca dogmas e, sim, diálogo. Os dogmas são deixados de lado nesse espaço.

Sem tentar conceitualizar a questão, acredito que a homossexualidade pode ser um reflexo de uma afeição genética e, como consequência, nasceríamos homossexuais, mas também acredito que essa manifestação afetiva homossexual seja apreendida nas relações sociais em geral. Digo isso, pois vejo que as linhas do pensamento muitas vezes são reduzidas à questão da opção sexual, uma escolha que seria ligada apenas ao fato dessa opção ser exercida por fatores sociais e aí que nasce o engano. Podemos nascer homossexuais e podemos apreender essa forma de manifestação afetiva e isso é extremamente complicado de ser definido para um lado ou para o outro, eis que as definições são uma violência à condição humana.

Entendo que existem maneiras de exercermos nossa sexualidade, seja ela qual for e, dessa maneira, podemos verificar que em algum momento da vida existe uma escolha. Podemos nos sentir atraídos por pessoas do mesmo sexo e nunca exercermos tal condição e também podemos exercer a sexualidade da forma que foi convencionada como "normal" (heterossexual) e que veio a ser "normatizada" e isso, em algum momento, vai ser definida por meio de uma escolha. Esse exercício da escolha homossexual pode ser em atendimento aos desejos mais intrassubjetivos, ou seja, pelas relações internas de cada um de nós, ou em função de uma realidade apreendida em sociedade, porém, em algum momento tal exercício vai ser condicionado a uma opção pelo exercício ou não da homossexualidade.

Fabricio Maia

Casamento homoafetivo é autorizado pela Justiça

Os moradores das cidades que integram a comarca no interior de Minas Gerais, que tiverem interesse em se casar com pessoa do mesmo sexo, poderão procurar o cartório, sem que seja necessário buscar o Judiciário para conseguir autorização.

Foi autorizado pela Justiça que os cartórios de registro civil da comarca de Santa Rita do Sapucaí (MG) realizem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A decisão foi tomada em 09 de julho deste ano, depois que o tabelião local apresentou uma suscitação de dúvida à Justiça, requerendo informações sobre como deveria proceder em relação aos pedidos de realização de casamento homoafetivo. A decisão foi do juiz José Henrique Mallmann, da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Santa Rita do Sapucaí.

Com a decisão, os moradores de Santa Rita do Sapucaí e de São Sebastião da Bela Vista – cidades que integram a comarca – que tiverem interesse em se casar com pessoa do mesmo sexo poderão procurar o cartório, sem que seja necessário buscar o Judiciário para conseguir uma autorização judicial para isso.

Segundo José Henrique Mallmann, que é diretor do Foro, o Código Civil, ao prever os impedimentos para o casamento civil, não trouxe qualquer indicação quanto à identidade dos sexos. "A sociedade, como de fato se espera, vem modificando a cada novo dia, e não poderia deixar de transformar os aspectos familiares como um todo, abandonando-se o conceito arcaico e tradicional de entidade familiar formada apenas pelo homem e pela mulher", afirmou.

Para o magistrado, a expressão "união entre um homem e uma mulher" foi "acertadamente afastada em recentes decisões do STJ e do STF reconhecendo a união estável homoafetiva". O juiz citou em sua decisão que a família é onde se encontra o sonho de felicidade, e a Justiça precisa atentar para essa realidade.

Fonte: TJMG

sábado, 7 de julho de 2012

Homoafetividade e Identidade, por Caio Klein.


O grande pesquisador e amigo, Caio Klein, do Grupo Prismas do Direito Civil-Constitucional, nos brinda com este belíssimo texto, que nasce de uma construtiva crítica ao artigo, também publicado neste Blog, de autoria do sociólogo e parceiro Vinicius Rauber, intitulado: "A Homoafetividade e a construção da identidade".
O incentivo à diversidade, deste Blog, extravasa os limites da Homoafetividade para ser recepcionada, também, e incentivada como diversidade de ideias e opiniões. Portanto, a diversidade de ideias apresentadas pelos autores não pode ser encarada como contraditórias. As críticas, quando manifestadas de modo construtivo, e com ânimo de colaborar para o desenvolvimento do assunto, sempre são muito bem- vindas!
Importante destacar, ao contrário de Vinicius que parte de uma matriz sociológica, nascida no prédio 5, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Caio advém de uma matriz jurídica, é filho do prédio 11, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
O nosso jurista, entretanto, não parte daquele Direito de cunho tradicional, cuja epistemologia se mostra insuficiente para descrever o homem pós-moderno e suas relações sociais. Muito pelo contrário, Caio parte de uma matriz jurídica Complexa. Busca desconstruir o Direito, para reconstrui-lo como discurso, mais arejado e capaz de dialogar com a sociedade e suas diversas e constantes alterações.
Percebe-se, pois, claramente, que a diversidade de ideia apresentadas nos dois textos é que traz qualidade a presente questão. Longe de qualquer contradição, os textos são complementares. Ambos com o mesmo objetivo: enaltecer a discussão sobre a Homoafetividade e a identidade.
Espero que gostem.

Maurício Brum Esteves

Homoafetividade e Identidade, por Caio Klein.
A escolha de determinada identidade enquanto exercício de autonomia pode ser considerada um argumento equivocado se aceitarmos a premissa que essa é construída nas relações sociais. Ninguém é completamente livre para decidir. Há determinantes como escolaridade, raça, situação econômica, faixa etária, espaço geográfico, que atravessam a construção das identidades, ou uma suposta opção por identidades.
A possibilidade de escolher uma identidade homossexual, tida por desviante, dá a entender a existência de uma identidade heterossexual existente a priori, natural e pré-discursiva. Como se a heterossexualidade fosse o modelo extraído da natureza, e as homossexualidades deturpações culturais desse padrão repetitivo. A heterossexualidade, da mesma forma que quaisquer outras identidades sexuais atribuídas, foi convencionada em certo tempo histórico. Tanto é que só se passou a falar em um sujeito heterossexual a partir do momento em que se admitiu a existência de um sujeito homossexual. A própria iniciação sexual dos gregos, imposta que fosse realizada entre homens, conforme afirmado pelo autor, não era tida por incorreta ou desviante exatamente por não haver a constituição de um padrão de sexualidade normalizado.
Essa normatização se daria posteriormente em relação às variantes sexo-gênero-sexualidade, na qual um sexo – aqui biológico – determinaria um gênero que, por sua vez, definiria uma sexualidade, relação imediata que manteria a harmonia da norma heterossexual. A norma opera na nomeação do corpo enquanto macho ou fêmea – a constituição do sexo – e “uma vez feita esta distinção, que este sujeito assuma um dos dois gêneros – masculino ou feminino – e experimente o desejo por alguém do sexo/gênero oposto” (LOURO, 2010, p. 146). Entendida a heteronormatividade como padrão naturalizado e determinante, os corpos não conformados a essa norma compulsória assumiriam a condição de não sujeitos: homossexuais, transexuais, assexuais, andróginos. A mesma matriz heterossexual, discurso constituinte do gênero e formadora do sujeito, é a matriz excludente que nega as identificações não adequadas a sua norma.
Além da questão da identidade construída, podemos pensar em identidades que são meramente atribuídas: posso me investir de uma identidade masculina e heterossexual, mas preferir usar saias. Veja o exemplo do cartunista Laerte Coutinho. Na matriz heteronormativa em que estamos inseridos não há espaço para esse tipo de fluidez, de modo que, mesmo quando a identidade construída é heterossexual, se ao sujeito é atribuída uma identidade homossexual por uma razão qualquer, as normas repressivas de gênero e sexualidade ali incidirão.
Podemos pensar, assim, que a questão da identidade não é apenas relacional, mas também subjetiva. Convenhamos que o que faz com que determinada pessoa assuma uma identidade gay, lésbica ou bissexual não é o fato de se autodeclarar assim, ou de manter uma sociabilidade através dessa identidade, mas sim um processo subjetivo de construção identitária, de direcionamento do desejo, através de representações da cultura. Tanto é que a identidade homossexual é reprimida em diversas instâncias como a família, a religião e o direito, e nem por isso a bicha enrustida é um mito. Cabe refletir se quando falamos de sujeito homossexual estamos nos referindo àqueles que assim se identificam, àqueles que assim são considerados pelo contexto cultural, ou ainda àqueles que, embora direcionando seu desejo a pessoas do mesmo sexo, reproduzem um modelo heterossexual de relacionamento.
Por fim, se falarmos em desconstrução, temos que pensar na impossibilidade de uma identidade homossexual apenas, do mesmo jeito que as feministas já pararam, há algum tempo, de tomar uma única mulher enquanto o sujeito do feminismo.

Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais
Bolsista de Iniciação Científica FAPERGS


quarta-feira, 4 de julho de 2012

A homoafetividade e a construção da identidade


Trata-se de um texto escrito pelo brilhante Vinícius Rauber, novo parceiro do Blog Direito e Homoafetividade, especialmente para os nossos leitores. Provocando reflexões importantíssimas sobre a questão homoafetiva, mormente através da filosofia e da sociologia, este texto representa uma excelente interlocução para um Blog de Direito que busca a transdisciplinariedade, para tratar de uma questão tão sensível e delicada, seres humanos e seus desejos.


A homoafetividade e a construção da identidade

Quando pensamos em modernidade ou modernizaçao, geralmente a primeira coisa que nos vem a cabeça é um processo que vai na direção oposta à tradição. Entretanto, a verdade é que ao mesmo tempo que a modernidade dissolvia parte da tradição, ela a reconstruía de outro modo. A persistência e a recriação da tradição foram fundamentais para a legitimação de algumas das formas de poder existentes, tendo como maior exemplo a forma como o Estado se impõem aos sujeitos. Ainda hoje, a tradição ainda abrange alguns aspectos fundamentais da vida social, como a família e a identidade social, ainda que esteja em declínio nestes domínios.

Para autores como o sociólogo britânico Anthony Giddens, o momento atual ainda é de transição. Vivemos um processo de destradicionalização, não apenas no Ocidente, mas também no mundo como um todo, rumo a uma sociedade globalmente pós-tradicional. 

Mas afinal, o que isso significa? Basicamente que há uma extraordinária relação entre as decisões que as pessoas tomam no seu dia-a-dia e os seus resultados globais. O inverso também ocorre simultaneamente, é cada vez maior a influencia das ordens globais sobre a vida dos indivíduos. 

O abandono, a desincorporação e a problematização das tradições fazem parte deste processo e são as principais característica da sociedade pós-tradicional. A tradição é estabilidade. Ela proporciona as estruturas estabilizadoras que criam uma “memória coerente”, fornecendo o que Giddens chama de uma "segurança ontológica", no caso, diminuindo a contingência do mundo para os indivíduos. 

Na sociedade pré-moderna, a tradição e a rotinização da vida cotidiana eram intrinsecamente ligadas uma à outra. Por outro lado, na sociedade pós-tradicional a rotinização torna-se vazia, a menos que este ajustada aos processos da reflexividade institucional. Não há lógica em fazer hoje o mesmo que fizemos ontem, exceto em instituições como o trabalho e a burocracia. A repetição é a lógica da tradição. 

Por outro lado, um traço fundamental da sociedade pós-tradicional é o “projeto reflexivo do eu”, ou seja, a construção e reconstrução contínua do eu sem a tradição, que depende de grande grau de autonomia emocional. Se anteriormente a identidade dos indivíduos era produzida em grande parte pela tradição, na sociedade pós-tradicional o indivíduo é obrigado a conviver com uma série de escolhas para as diferentes esferas de suas vida.

À medida que a tradição desparece, a construção da identidade e o significado das normas sociais regidas por ela vão aos poucos perdendo sentido. Deste modo, construção de uma identidade social torna-se uma responsabilidade e uma exigência individual. O individuo não tem outra escolha a não ser decidir como ser e como agir. Não obstante, essas escolhas cada vez mais se oferecem sem que tenhamos algo que seja um princípio estruturador que nos diga qual o caminho certo a seguir. 

Portanto, em uma época que a sociedade está em vias de destradicionalizaçao, como a nossa, as identidades não são mais dadas a priori. O indivíduo tem que fazer suas escolhas. E a sua opção sexual/afetiva (nem todas as relações são sexuais) faz parte destas novas demandas sociais existentes. 

Diferentemente de períodos como na Grécia Antiga, onde a tradição estabelecia que os filhos dos cidadãos fossem iniciados sexualmente por um tutor mais experiente do mesmo sexo, a homoafetividade na sociedade pós-tradicional é uma questão de escolha. Ainda que existam muitos estudos que buscam ligar certos genes a homossexualidade e se conheçam diversos relatos de pessoas que consideram ter nascido homossexuais, cabe ao indivíduo exercer ou não está predisposição (assumindo, em termos, que possa se tratar de uma predisposição).

Atualmente são as escolhas ativas produzem autonomia, ou mesmo são a própria autonomia. Obviamente, a psicanálise já havia colocada as limitações inconscientes, que orientam nossas escolhas. Assim como existem fatores estruturais da sociedade, decisões tomadas por agentes a nossa revelia, afetam a vida dos indivíduos. Ainda assim, as escolhas tornaram-se uma parte importante e obrigatória da vida cotidiana atual.

Vivemos em uma sociedade que cada vez mais exige que os indivíduos façam as escolhas que vão construir sua identidade. A simples repetição dos modelos de relação afetiva tradicionais, ainda em voga no direito, é completamente vazia neste contexto. Dentro dessa nova realidade, é um imperativo da modernização social e jurídica que o indivíduo tenha autonomia emocional e seja livre para exercer a escolha de a quem deve se unir, que tipo de relações deve ter e com quem irá interagir, da maneira que melhor lhe aprouver.  

Atenciosamente,
Vinícius Rauber e Souza
Sociólogo
Mestre em Ciências Sociais pela PUCRS